domingo, 12 de março de 2017

Bem, um conto...

Não me importo se há anos não escrevo aqui. O importante, pra mim, é ter este espaço sempre disponível, sempre aceitador, onde posso escrever coisas que não escrevo nem em redes sociais.

Segue:


Estou acordado tem coisa de meia hora. Na verdade, eu não sei, estou apenas chutando um número que possa fazer sentido. Na minha presente situação, podem ser cinco minutos, podem ser quatro horas. Mas quero imaginar que é coisa de meia hora, considerando as poucas ações que pude executar, a maioria delas dentro da minha cabeça. Como estas palavras, apenas dentro da minha cabeça.

Uma das primeiras atitudes: o desespero. Normal, esperado, ineficaz. Agora, tentando narrar, descrever, me situar, ainda assim atuo com desespero. O desespero frio de alguém que quer ter algum nível de controle, estando completamente subjugado.

Sempre tive essa mania de querer controlar. Cada detalhe, mesmo os detalhes oportunos, as interpretações das coisas, os acasos, eu acabo por ferrenhamente sustentar que são meus, ainda que apenas quando considero que minha escolha de ponto de vista é, de fato, minha. Estou explicando isso, logo, eu que mando.

O mais estranho é que eu procuro sempre negar o poder quando me é livremente ofertado. "Onde vamos jantar?" "Não sei, escolhe você". Quantas e quantas vezes essa mesma conversa já não se repetiu?

Um viciado em controle. Agora, o que posso controlar daqui de baixo? Nem mesmo o tempo é meu (alguma vez já foi?). Eu digo que estou acordado faz meia hora, tento me ludibriar com explicações psicológicas de fluidez temporal, reviso as teorias físicas que expliquem as dimensões e contrapontuo com a percepção...

De que me adianta tudo isso?

Estou preso, soterrado, talvez. Nada dói, sinto um pouco de frio (talvez por estar nu, exceto essas camadas de concreto e ferragens que me cobrem). Os pensamentos voam como estilhaços, se silenciam e em seguida explodem, como o prenúncio do fim, de fins sequenciais, duradouros, espontâneos. Não há, é claro, um fim final.

Um fim final: eu sou louco? A loucura seria uma dádiva? Seria a lucidez, neste meu atual estado, o detalhe maldoso que o demônio usa neste meu inferno pessoal? Ou o inferno e o demônio são tudo eu, frutos de mim? De que essas questões me servirão?

Sim, nada dói. Nada continua, também, exceto as horas, passando e durando. Eu sei que não vai ter um fim final, mas eu não sei se conseguirei sobreviver por muito tempo. Claro, eu vou continuar vivo, mas será que consigo morrer só por um tempo, pra acelerar a chegada do momento em que saio daqui? De resto, só me resta brincar com os detalhes.