"- Sei um encanto que pode curar dor e doença, e que pode tirar o sofrimento do coração daqueles que sofrem.
Sei um encanto que cura com um toque.
Sei um encanto que faz as armas do inimigo se virarem pro outro lado.
Sei outro encanto que me solta de todas as amarras e abre todas as fechaduras.
Um quinto encanto: eu consigo pegar uma flecha no ar e não me machucar.
As palavras soavam pesadas, urgentes. O tom amedrontador não estava mais lá, o sorriso cínico também não. Wednesday falava como se recitasse as palavras de um ritual religioso, ou como se estivesse se lembrando de alguma coisa obscura e dolorida.
— Um sexto: feitiços feitos pra me machucar só vão machucar quem os enviou.
Sétimo encanto que eu sei: posso apagar o fogo apenas olhando pra ele.
Oitavo: se algum homem me odiar, eu consigo ganhar sua amizade.
Nono: eu posso fazer o vento dormir com o meu canto e posso acalmar uma tempestade durante tempo suficiente pra levar um barco até a costa.
Esses foram os primeiros nove encantos que eu aprendi. Durante nove noites eu fiquei pendurado na árvore nua, a lateral do meu corpo perfurada pela ponta de uma lança. Eu balançava de um lado pro outro e sacolejava aos ventos frios e aos ventos quentes, sem comida, sem água, um sacrifício de mim pra mim mesmo, e os mundos se abriram.
Como décimo encanto, eu aprendi a dispersar bruxas e fazê-las rodopiar no céu de modo a nunca mais encontrarem seu caminho de volta às suas próprias portas.
Décimo primeiro: se eu cantar quando uma batalha eclodir, posso fazer com que guerreiros passem pelo tumulto ilesos e intactos e posso trazê-los de volta a suas famílias e a seus lares sãos e salvos.
Décimo segundo encanto que sei: se eu vir um homem enforcado, posso tirá-lo da forca pra que sussurre no nosso ouvido tudo de que consegue se lembrar.
Décimo terceiro: se eu jogar água sobre a cabeça de uma criança, ela não vai sucumbir na batalha.
Décimo quarto: sei os nomes de todos os deuses. De cada um dos malditos.
Décimo quinto: sonho com poder, com glória, e com sabedoria, e eu posso fazer as pessoas acreditarem nos meus sonhos.
A voz dele estava tão baixa agora que Shadow precisava se esforçar para ouvi-lo por sobre o barulho do motor do avião.
— Décimo sexto encanto que sei: se preciso de amor, posso transformar a mente e o coração de qualquer mulher.
Décimo sétimo: nenhuma mulher que eu desejo vai desejar alguém mais na vida.
E eu ainda sei um décimo oitavo encanto, que é o maior de todos, e esse eu não posso contar pra nenhum homem, porque um segredo que ninguém mais além de você sabe é o segredo mais poderoso que pode existir."
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Retirado do livro Deuses Americanos, de Neil Gaiman.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Bem, uma musiquinha...
Estava eu aqui, olhando o mundo girar, e pensei: "preciso postar algo, pois sim!"
Como não tenho nenhum texto preparado, vai a letra da música que por acaso começou a tocar no meu player.
SUPERMAN
So here I am
Doing everything I can
Holding on to what I am
Pretending I'm a superman
I'm trying to keep the ground on my feet
It seems the world is falling down around me
The nights are long, I'm singing the song
And trying to make the answers more than maybe
And I'm so confused about what to do
Sometimes i wanna throw it all away
So here I am
Growing older all the time
Looking older all the time
Feeling younger in my mind
And here I am
Doing everything I can
Holding on to what I am
Pretending I'm a superman
I'm trying to sleep
I lost count of sheep
My mind is racing faster every minute
what could I do more
Yeah I'm really not sure
I know I'm running circles but I can't quit
And I'm so confused
About what to do
Sometimes I wanna throw it all away
Controlling everything in sight
Feeling weak I don't feel right
Telling me I have to change
Telling me to act my age
But if all that I can do
Is just sit and watch them go
Then I'll have to say good-bye
Life's too short to watch it by
So watch it fly
So here I am
Growing older all the time
Looking older all the time
Feeling younger in my mind
So here I am
Doing everything I can
Holdin on to what I am
Pretending I'm a superman.
[Goldfinger]
Como não tenho nenhum texto preparado, vai a letra da música que por acaso começou a tocar no meu player.
SUPERMAN
So here I am
Doing everything I can
Holding on to what I am
Pretending I'm a superman
I'm trying to keep the ground on my feet
It seems the world is falling down around me
The nights are long, I'm singing the song
And trying to make the answers more than maybe
And I'm so confused about what to do
Sometimes i wanna throw it all away
So here I am
Growing older all the time
Looking older all the time
Feeling younger in my mind
And here I am
Doing everything I can
Holding on to what I am
Pretending I'm a superman
I'm trying to sleep
I lost count of sheep
My mind is racing faster every minute
what could I do more
Yeah I'm really not sure
I know I'm running circles but I can't quit
And I'm so confused
About what to do
Sometimes I wanna throw it all away
Controlling everything in sight
Feeling weak I don't feel right
Telling me I have to change
Telling me to act my age
But if all that I can do
Is just sit and watch them go
Then I'll have to say good-bye
Life's too short to watch it by
So watch it fly
So here I am
Growing older all the time
Looking older all the time
Feeling younger in my mind
So here I am
Doing everything I can
Holdin on to what I am
Pretending I'm a superman.
[Goldfinger]
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Bem, outro conto bobo...
A geografia do corpo dela era algo magnífico de se observar naquela manhã. Os volumes sob o lençol, banhados pelo dourado do primeiro sol, as sombras arredondadas que lembravam as colinas amarelas de feno de sua infância. Até o cheiro de verde molhado que vinha do quintal incorporava-se à cena bucólica que o corpo dela evocava. Seus pés, brincalhões, escapavam de debaixo das cobertas, como lebres selvagens que vêm espiar o mundo após a chuva.
Por um átimo ele tem o impulso de agarrar a colina formada por suas nádegas, mas com isso ela seria apenas uma mulher, e não mais o cenário dos verões de sua infância, passados no sítio do avô. Decide, então, não se mover e percorrer com o olhar, o menino dentro dele excitado em cavalgar pelos prados e as colinas como um dom Quixote, flechar seus inimigos como Robin Hood ou apenas navegar Mississipi abaixo, Tom Sawyer e um imaginário Huck Finn.
A ondulação da respiração dela, suave ressonar, era o vento nos campos de trigo. "Mar dourado no meio do campo", como seu avô, sorriso desdentado, gostava de comentar, no fim das tardes. Era um mundo de Oz, onde ele via a magia brilhar ao sol. Tudo aquilo apenas nos cinco minutos em que a luz do sol matinal conseguia se esgueirar entre os prédios até a janela de seu apartamento. Cinco minutos, e sua amante anônima de uma grande festa de álcool e drogas em um fim de semana havia se tornado o sítio Flor de Maio.
"Que sorriso lindo", o sítio disse, se mexendo. "Esse sorriso é todo pra mim?"
Bom dia, flor de maio.
Ela sorri, adocicada pelo aposto usado. E se levanta, agora totalmente mulher, beleza nua em direção do banheiro.
E uma lágrima de fim de férias cai no travesseiro.
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Haha... quando comecei a escrever, notei que iniciava com "A geografia...". Então ofereço pra ThaiS [=
TM
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Bem, um conto antigo...
Cansado. Quase quarenta e oito horas sem sair de casa, comendo biscoitos e vendo nada na TV. Quase quarenta e oito horas com apenas quinze minutos de um cochilo, interrompido por uma ligação errada. O último bule de café esfriava sobre o fogão. Havia apenas três cigarros no último maço, sobre a mesa. Duas das três garrafas de vinho barato também já se foram. Cadernos do jornal de dois dias atrás amarelavam pela casa. Classificados na cama, notícias policiais pelo chão da sala, tirinhas no banheiro, sessão política no lixo.
Papel por todo o lado. Cortinas de papel entreabertas coavam o néon da madrugada jovem. A janela escancarada gritava os sons da noite para aquele buraco que era seu mundo há quase quarenta e oito horas. Papel embaixo do copo de café e de vinho. Aquilo podia ter sido uma boa poesia se ele não tivesse trocado o vinho pelo café. Quase quarenta e oito horas e a apenas três cigarros da loucura.
E a madrugada jovem e dançarina envelhecia e silenciava; sereno suave resfriando os rostos quentes que saíam das boates para o sexo. Quase quarenta e oito horas. Cuspiu o café gelado e rançoso na pia. Abriu o último vinho, acendeu um cigarro, tirou a roupa. Quase rasgou a cortina de papel ao revelar um corpo suado e pegajoso ao néon da rua, três andares acima do vento rasteiro que varria os restos de noite pela cidade. Cansado.
Meia garrafa e dois cigarros depois. Frio. Cinza leitoso e malvado se esgueirava do céu para seus pulmões. "Câncer nada! Um dia após o outro: isso sim mata o homem!" Enfiou uma calça e uma camisa de lã. Precisava dar um fim nisso. Quarenta e oito horas. Quanto mais precisava?
Levantou-se. A porta ou a janela? Último gole do vinho. Sorveu-o como um militar beijando qualquer garota antes da guerra. Último cigarro do maço. Acendeu-o. Apagou no braço.
Sair pela porta dói mais do que pela janela.
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Conto escrevido em dezembro ou novembro de 2009, na sala de casa, vendo TV. Era dia e eu nem estava deprê.
Papel por todo o lado. Cortinas de papel entreabertas coavam o néon da madrugada jovem. A janela escancarada gritava os sons da noite para aquele buraco que era seu mundo há quase quarenta e oito horas. Papel embaixo do copo de café e de vinho. Aquilo podia ter sido uma boa poesia se ele não tivesse trocado o vinho pelo café. Quase quarenta e oito horas e a apenas três cigarros da loucura.
E a madrugada jovem e dançarina envelhecia e silenciava; sereno suave resfriando os rostos quentes que saíam das boates para o sexo. Quase quarenta e oito horas. Cuspiu o café gelado e rançoso na pia. Abriu o último vinho, acendeu um cigarro, tirou a roupa. Quase rasgou a cortina de papel ao revelar um corpo suado e pegajoso ao néon da rua, três andares acima do vento rasteiro que varria os restos de noite pela cidade. Cansado.
Meia garrafa e dois cigarros depois. Frio. Cinza leitoso e malvado se esgueirava do céu para seus pulmões. "Câncer nada! Um dia após o outro: isso sim mata o homem!" Enfiou uma calça e uma camisa de lã. Precisava dar um fim nisso. Quarenta e oito horas. Quanto mais precisava?
Levantou-se. A porta ou a janela? Último gole do vinho. Sorveu-o como um militar beijando qualquer garota antes da guerra. Último cigarro do maço. Acendeu-o. Apagou no braço.
Sair pela porta dói mais do que pela janela.
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Conto escrevido em dezembro ou novembro de 2009, na sala de casa, vendo TV. Era dia e eu nem estava deprê.
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