quinta-feira, 6 de maio de 2010

Bem, na estrada...


ON THE ROAD

Eu só tinha 13 anos quando começou. Não que eu nunca tivesse viajado antes disso. Cruzei o país com meus pais aos 7, rumo ao norte, para ver minha avó. Já tinha viajado com amigos (supervisionado por um irmão) aos 12. Porém, aos 13, tudo REALMENTE começou.

2 irmãos meus, os mais velhos, tinham ido estudar em morar em um seminário em Itu. Eu os visitara uma vez, fazendo planos de ir viver lá também. Então, em '98, meu outro irmão e eu fomos. Viver longe dos pais parecia deprimente - e realmente era, para os outros - mas eu me satisfazia muito.

Dane-se a astrologia, mas uma coisa que sempre bateu entre mim e meu signo é a intensa curiosidade, vivenciar novas experiências, saciar a infinita sede de saber, ver, testar.

Nos dormitórios coletivos ouvíamos os choros à noite. Eu, porém, dormia o sono tranquilo de um pescador. Acabei ficando lá por 3 anos, vez ou outra indo a Curitiba e até a Porto Alegre, dois lugares onde passei tempos memoráveis, além, obviamente, de duas viagens anuais de férias à casa de meus pais, em Brasília. Quanto mais o tempo passava, mais eu sentia que aquela cidade e aquela casa definitivamente não eram o meu lar.

Ao cabo de três anos vivendo fora, voltei definitivamente (não tão definitivamente assim, claro) à velha casa dos meus pais, na jovem e detestada Brasília. Terminei meus estudos básicos, comecei a faculdade e o tédio me corroía. Descobri, depois de um tempo, um placebo que me fazia engolir a poeira seca do cerrado mais facilmente: pequenas viagens.

Meu sonho, porém, desde o fim da minha estadia em São Paulo, era vagar por aí. Caronas, trechos a pé, um pouco de sofrimento na estrada... Porque não?

Não, não sou de família abastada, portanto as viagens, com o passar do tempo, têm se demonstrado como formas suaves de me testar.

Já fui às cataratas do Iguaçu com uma namorada nipônica, com grana curta e amor. Essa viagem iniciou-se de avião a Curitiba, depois, de ônibus paraguaio, a Foz. Hotéis baratos e duros, alguma curtição. A cidade era algo de novo aos meus olhos, pois nunca vi uma cidade tão morta em si (e olha que sou de Brasília, a capital-sepulcro). Duas grandes avenidas cruzadas, onde só se viam lan houses, restaurantes e lojas de lembranças. Era como um mini-comércio pronto para os milhares de turistas que iam às cataratas, atendendo suas necessidades básicas: comida, comunicação e compras. Com isso, só nos restava a própria catarata como atrativo, um absurdo divino na natureza, como se o próprio Onipotente tivesse furado aquilo com seu dedo universal e falando para que as águas fluíssem rumo às almas sedentas no inferno.



E lá, de inferno, além do calor horrível de dia, ainda havia os quatis, larápios naturais com suas carinhas sapecas. A face do próprio Lúcifer deve ser a de um quati, bonitinho e cheio de vontade de te arrancar tudo que é mais caro e precioso.

Após essa volta por Foz do Iguaçu, a japonesinha e eu rumamos de volta a Curitiba, onde a mesma ladainha sempre se repetia: a água do chuveiro NUNCA era quente o suficiente pra ela. E Curitiba, em seu inverno, nos soprava 0ºC ou menos à noite. Apesar disso, ficávamos nus e nos amávamos nos quartos de hotel barato que alugávamos por uma noite ou duas.

Em Curitiba passeamos de mãos dadas por monumentos históricos tirando fotos, verdadeiros turistas amantes. O frio nos aconchegava um ao outro e o mundo sorria.

Pegamos um ônibus para subirmos a São Paulo, onde ficaríamos na casa de um tio meu. E, na grande maçã tupiniquim, desejei estar sozinho. Não por mal da moça, mas era muito trabalho pra mim ter que cuidar de nós dois.

Fomos ao bairro japonês, a Liberdade, e ela conseguiu contatos para um quarto onde poderíamos descansar antes de nos encontrarmos com meu tio. A hospedaria japonesa cheirava a naftalina e havia velhos sentados na penumbra. Deitamo-nos em beliches duros e dormimos por algumas horas. Depois, arrastando as malas, liguei para meu tio e fomos à casa dele. Lá, também, a água não era quente o suficiente para minha companheira, e o outro chuveiro da casa estava queimado.

Andando por uma São Paulo em fim de tarde, ela se irrita comigo por não ter tomado banho decentemente. Decido pagar um quarto de hotel (4 horas por $52 reais) para ela poder se banhar. No quarto, descobrimos que era com uma decoração de motel (filmes pornôs, cama redonda, espelho no teto). Encho a banheira e fazemos um dos melhores sexos que já tive.

Após relaxarmos, saímos e voltamos à casa do meu tio, que trocara o chuveiro queimado por um novo, mais quente, para alívio da minha namorada. Porém, após algumas aventuras em mudanças de clima drásticas, ela caiu doente. Passamos a semana em casa, no quarto de minha prima (que só aparecia pra dormir). Com o tio e a tia em casa e sempre vindo ver como ela estava só tínhamos poucos e apressados momentos de intimidade. De resto, a estrada, má vontade e cansaço.

No ano seguinte completava-se o primeiro ciclo de 10 anos "na estrada". No meio do ano, agarrei a chance de voltar a São Paulo, aproveitando um evento específico de desenhos. Ah, mas como amo a urbanidade de um caos com nome de santo! Bem diferente daquela roça provinciana de concreto a que chamam de Brasília. Andar sozinho no meio da turba, fumando cigarros e soprando meus pensamentos e preocupações em meio à fumaça. Gentes! Gentes! Gentes de todos os cantos. Mil mundos novos em cada par de olhos. E foram mais de mil pares de olhos que eu vi, e muito mais do que o dobro disso que me viram.

Novembro chegou e corri de novo a Sampa, querendo mais um pouco de "ar puro". Pessoas novas a conhecer, novos bares onde sentar e beber, alucinando após uma prova de um vestibular que eu nem quero saber se passei ou não.

Novo ano, outra viagem a SP, a outro evento. Nova fantasia, novos pares de olhos me vendo e sendo vistos por mim, caminhadas a esmo, acompanhado ou não.

Menos de um mês depois, outra vez SP. Agora a estrada já fluía nas minhas veias, outras viagens se fizeram necessárias. Alucinando em Sampa em oito diferentes círculos de consciência. Brincadeiras sempre sérias, gravidades irônicas e jocosas.

Novembro, fujo de novo das areias vermelhas do meio do Brasil, desta vez rumo à serra verde-molhada do interior paulista. Magia no ar, magia de todo tipo. Luzes cortam o céu e cutucam quem as vê, e a estrada já é alguém que me ama tanto quanto a amo. Viagens psíquicas em um fim de semana que durou um mês - Quem tiver olhos para ver, CALE-SE!

Dentro da maior viagem, uma outra, menor, sobrevivente, sacrificada, puro amor - confirmado nos beijos de fim de noite à beira do lago. E a estrada se estica, fazendo o peito se estreitar. Aviões ladeados de ebúrneos dragões e mais um fim, ou mais uma pausa.

Sonhos e viagens sempre misturados, iguais, tão próximos um do outro que se tornam um ao outro e vão embora infinitamente, sendo ambos extremos de si mesmos e do outro.

Desesperançado, sem saber quando seria minha próxima grande aventura, jogo um pensamento, um desejo ao Caos nebuloso das estrelas da eternidade, serelepes e virtuosas, as puras fadas outonais que de vez em quando nos sorriem, se soubermos como cortejá-las do jeito certo. E eis que uma delas, doce sorriso puro, me olha e decide reunir dois amantes: a estrada e eu.

Novo ano, experiências sempre novas. 36 horas de ônibus direto, cortando do coração ao pé do Brasil para ver o gigante sangrar em seu berço esplêndido. Acampamento, lodo, mil novas pessoas com seus mil mundos aumentando minha coleção de ossos e asteróides.

Chegamos, vários universitários em uma viagem quase de graça ($5 reais) ao sul, Porto Alegre, cidade outrora habitada momentaneamente por mim. Meu amigo de viagem, outro nipônico (porém made in Brazil), aquele que nos conseguiu aquela viagem insólita e fortuita, e que se surpreenderia comigo com o universo inteiro que nos esperava como a granada um segundo antes de explodir.

Montamos acampamento e corremos a ver o que havia pra ver. Já no primeiro dia, conhecemos a peça-chave de uma segunda parte dessa mesma viagem, total improviso, uma moça de bela mente e loucura só igualada à dos aventureiros que estávamos ali.

Consegui uma garota pra ele. Primeira noite, primeira roda de violão, primeiro galão de vinho. Os dias seguintes, não tão dignos de nota, exceto por uma pequena surpresa feliz aqui e ali. Firmei uma amizade, viagem para Florianópolis confirmada.

Tonto pela erva xamânica que imbecis fumam fingindo ser legais, meu amigo conhece uma menina da própria cidade em que estávamos hospedados, e marca uma saída com ela. Vejo algo dele se desprendendo, um princípio de vontade que era, certamente, o nascimento de Deus em cada um.

Após isso, noites trovejadas, molhadas, enlameadas na falta de conforto que precisávamos, por deus, experimentar para darmos valor às pequenas mostras de bondade do universo.

Ao fim da semana, enquanto todos se arrumam para voltar para a secura de seus lares, nós ainda sabemos que tudo era apenas um prelúdio. Cabeças, corpos - todos unidos, vivendo, uns acordando, outros reabrindo os olhos, muitos dormindo o sono dos falidos. No fim da viagem, descubro apenas o início da minha viagem. Pego carona no ônibus em que vim e desço em Florianópolis. Cidade nova, mas em nada atrás das outras todas do universo. Cinco horas dormindo em um ponto de ônibus, esperando o contato da minha anfitriã.

Uma tarde sentado em uma lanchonete, hemingwayzando, lendo e escrevendo, pensando, fumando, "magickando". À noite, consigo entrar em contato com ela, vou para sua casa e relaxo. Água fria e cigarros depois e já estou em casa.

Conversas, ilicitudes, lua enevoada, morros brilhantes. O mundo foi lindo por minutos e seus brilhos e mentes pensantes fingindo que existem. Quase, quase, quase um coração.

Uma, apenas uma noite de sono. Leitosa, aguada, suave. Descanso sublime dos braços do mundo. Descanso, isso mesmo. Acordo com um toque, celular e um amigo no portão de nossa casa temporária. Conversas, gente nova, frenética, veloz, mais que veloz correndo como as pernas do menor e mais maroto dos anjos de Nosso Senhor.

Cigarros, visões. Que visão, ver uma criança se mostrar um pré-pensador na sua frente! O menino parece brilhar. Mais pessoas novas, mais ilicitude e menos idéias. Fim de tudo sempre recomeçando o resto. E o resto, o desconhecido, misterioso resto. O resto, céus, o resto! Esse belo e mortífero. Ele sempre vem...

Praia. Calor rechaçado, limpando a mente como a areia que o mar nos leva sob os pés. Beleza, o que é aquilo? O que É AQUILO?! Por Deus, por deus!

Ver algo ir é sempre ruim...? É? Será? Quem diabos liga, pelamor? Quem se importa? Olha a droga de praia linda pra caralho! Veja o mar verde das montanhas arborizadas. Veja as nuvens, repara só na brisa! O mar também foi bom. E fez-se mais uma tarde na criação.

E o banho vem, no começo desta noite, a água gelada servindo de banimento. Após essa alegria, mais alegrias no céu infinito. Mais uma manhã surgindo bela como os olhos da eternidade sorrindo para seus inquietos e tolos cãezinhos. Outra droga da felicidade perpétua guardada sob uma língua receosa de novos mistérios auguriosos. Isso é o passeio pela ilha-do-amor, coroado com um fim assim tão vertiginoso. Subimos no carro que nos tem levado de um sonho a outro, os quatro dias que formavam em si um mês. A lagoa e a vida toda juntos, de mãos dadas, olhos famintos, algo tão belo em um retrovisor. Meu amigo e companheiro desta viagem não sabia quanta alegria podia haver em duas semanas do tempo, a eternidade divina nos abraçando como o amor perfeito.

Em uma montanha onírica encontro a mim mesmo feito sábio ancestral. Sento na praia a olhar o infinito oceano ao meu lado, recitando verdadas absolutas ao meu ouvido jovem e tolo. "Tudo, Nada... São coisas tolas. O Caos é qualquer coisa, essa é a resposta. Qualquer Coisa está acima do Tudo, do Nada, tolos brinquedos feitos para entreterem mentes menos libertas. Caos em perfeita harmonia da liberdade".

Novamente pomos um ponto final na história do mundo, arrumamos as mochilas e subimos no ônibus seguinte. "Saiba cortar laços", me diz ele, falacioso, enganando-se a si mesmo. "Saiba cortar laços", digo eu, na entonação do editor, e ele compreende que a estrada não tem fim, portanto não nos enrola em laços.

Uma última super atração nos aguarda no porto não tão alegre como outrora. Uma noite de sono inesperado, com as substâncias paradisíacas ainda céleres pelos nervos de nossos corpos, e chegamos no triste porto, na cidade sisuda onde ainda algumas algerias nos esperam. Sono, passeio sem grandes pretensões e o show magicamente criado para cumprir uma espera de quinze anos. Não uma espera aflita, mas bem feliz em aceitar tal termo. O show.

Ainda encantado, cantando, 15 minutos no paraíso de duas horas. É isso? Quatro dias se fazem um mês, mas duas horas viram quinze minutos? Não, não reclamo, mas o tempo é algo assim tão cruel às vezes. Lógico que o futuro sempre nos reserva alegrias vindouras, e o presente eterno não se altera, mas quem fica satisfeito alguma vez?

Só então vejo o quanto estou cansado. A estrada é uma amante fogosa, porém voraz, e ela sabe como acabar com suas energias. Mais uma cerveja, mais uma pessoa, uma última noite de amor (para ele, mas eu amei dormir sozinho e em paz... E, nessa viagem, eu não era o personagem principal).

E, no dia seguinte, o avião nos trazendo do Porto Alegre do último limite civilizado da terra de volta ao rubro e empoeirado coração do país, onde a pedra de repouso jaz. Mais um fim de viagem momentâneo, a pausa entre uma chegada e uma partida.


Um comentário:

Azrael disse...

esse tal de tempo... e um fanfarrão mesmo né... vive brincando com a gente